
I-
Vanja, vamos falar um pouco da sua história. Como você se tornou
uma artista?
VO
-
Eu
sempre quis ser artista. Meu pai é o escritor Osvaldo Orico, filho
de um ferreiro e de uma cabocla do Belém do Pará. E minha mãe, uma
professora municipal gaúcha. Eu sou uma mistura de jacaré com cobra
d'agua.
Nossa
vida foi difícil no começo. Meu pai foi preso em 1932,
porque
tomou posição contrária ao Estado Novo.
I-
Como começou sua carreira?
VO
-
Começou
com 15
anos.
Meu pai trabalhava na Bélgica e eu estudava num colégio de freiras
em Roma. Um dia saí com as garotas do colégio e vi o pessoal
filmando nas ruas o filme Mulheres
de Luzes, com
roteiro de Fellini e dupla direção Fellini e Lattuada. Fiquei
olhando maravilhada a atriz
Julia
de Marsini filmando. Eu queria ser cantora e nunca imaginei ser
atriz.
De
repente, a Bianca Lattuada me perguntou se eu gostaria de participar
do filme, fazendo o papel de uma cigana. Comme
no
-
respondi
em italiano. Meu namoradinho italiano me levou na lambreta com o
violão atrás, sem capacete até a casa de Fellini, quando
acompanhada do meu violão cantei Meu
limão, meu limoeiro. Fui
contratada, mamãe veio da Bélgica. Ficamos num bom hotel, 4
estrelas
com todas as despesas pagas, filmamos durante três dias. Meu
primeiro disco 78
rotações
foi com a música Meu
limão, meu limoeiro, gravada
em Paris.
VO
-
Para
fazer O
Cangaceiro, eu
fiz um teste. Foi a primeira vez que encontrei Lima Barreto, que
morreu pobre, mesmo tendo feito o filme mais premiado do Brasil que é
O
Cangaceiro. Isso
é uma coisa que
eu não aceito. Foi o Jorge Murad
que me aconselhou a fazer o filme. Minha mãe me acompanhou porque
tinha muito medo de eu perder a virgindade. Estava com 17
anos.
I-
Você participou ativamente
da
luta contra a ditadura militar?
VO
-
Sim.
Em 1968,
durante
as manifestações contra a ditadura vi pessoas morrerem ao meu lado.
Não pertencia a nenhum partido político. Participei daquela
passeata do Pedro Ernesto até o Caju, quando mataram o estudante
Luiz Paulo. Era uma passeata tranqüila,
serena
e de repente soubemos que um rapaz, estudante de medicina, havia sido
enterrado às pressas com o objetivo
de
evitar manifestações. Quando fui presa, confundida com uma
estudante, o Secretário de Segurança na época, Luiz França, veio
conversar comigo e disse: "-
Uma
moça com a sua simpatia, se meter numa passeata como essa."
I-
Como foi aquela cena na Central do Brasil, quando você foi arrastada
pelos cabelos por soldados da PM?
VO
-
Além
de ser arrastada pelos cabelos, fui agredida em plena passeata,
quando fui jogada ao chão. Aí peguei um lencinho branco e gritei:
"Não atirem, somos todos brasileiros." Pararam com o
tiroteio.
I-
Você teve que sair do país?
VO
-
Fui
obrigada a ir embora. Depois da passeata, não podia cantar, não
conseguia nenhum contrato era tratada como se fosse uma leprosa.
Minha própria família estava meio esquisita comigo e me perguntava:
"por que você foi se meter nisso, que eu não precisava".
Meu empresário que é francês -
até
hoje meu empresário -
me
mandou um contrato para cantar na Espanha de Franco. Veja só que
contraste. Eu saí do Brasil onde não podia cantar Vandré, nem
Chico Buarque e fui cantar em Madri.
Lá
cantei Chico Buarque, Vandré e até Garcia Lorca (assassinado pela
ditadura franquista durante a guerra civil). O Franco estava ficando
mais "bonzinho" e a Espanha já estava passando por uma
fase de maior abertura. Dai fui para Paris, onde participei em 1970,
da
famosa Paixão
Brasileira, de
Geraldo Vandré, com um Cristo que tinha 2
metros
de altura, um Cristo sacrificado, nu. Em cima estava escrito "Ordem
e progresso" e embaixo, o esquadrão da morte. Esta paixão foi
para denunciar torturas da época do governo Médici,
como
foi torturado o meu amigo Mário Alves, assassinado no quartel da
Polícia do Exército na rua Barão de Mesquita no Rio de Janeiro e o
meu amigo Wladimir Herzog, assassinado nas dependências do DOI-CODI
em São Paulo.
I-
Como você já deixou transparecer o amor e a política sempre
caminharem juntos em sua vida?
VO
-
É
verdade. No Natal, após alguns dias de filmagens do O
Cangaceiro, fui
para a Itália rever meu namorado que ao chegar o encontrei numa
situação muito difícil. O pai era militante do Partido Comunista
Italiano e já tinha passado alguns anos na cadeia. A Democracia
Cristã, na época, perseguia muito os comunistas. Meu primeiro
namorado foi uma coisa muito bonita e muito platônica.
Era
um basco. Eu passei quatro anos na Espanha. Então esse rapaz era um
lenhador. Era contra Franco e militante do ETA (Movimento Separatista
Basco). Foi preso e levado para a Penitenciária Estadual de Burgos e
morreu lá tuberculoso. Esse lado sentimental dos namorados cujas
famílias sofreram perseguição também fizeram a minha cabeça,
quem sabe? Sou uma pessoa que acredita piamente no socialismo.
I
-
O
que
te leva acreditar no socialismo?
VO
-
Estive
em Cuba -
cantei
nas duas Cubas -
nade
Batista e na de Fidel e Che Guevara e vi como é difícil. Como Cuba
é bloqueada. Mas eu creio que o valente povo cubano não vai se
deixar levar pelas falsas promessas do neoliberalismo e
deixar
voltar aqueles cassinos que eu vi, já que nada disso dá dinheiro
para o Estado.
I-
Além do conto A
História do Boto, quais
foram os seus outros trabalhos?
VO
-
Escrevi
muitos artigos, inclusive para o INVERTA,
um
artigo sobre José Marti, para revistas francesas, e um artigo sobre
meu amigo Rafael Rabelo, falecido recentemente. E quero terminar até
o fim do ano o meu livro O
país do faz de conta.
I-
Você já compôs alguma vez?
VO
-
Eu
compus três músicas. Uma delas está num disco chamado A
Cítara, o
piano que me acompanha é de Antonio Carlos Jobim. A música chama-se
Confissão.
É
uma bossa nova.
I-
Como você escolhe seu repertório?

I-
E a música brasileira no exterior?
VO
-
Meu
grande amigo Sérgio Porto dizia sempre: "Vanja vai, Vanja vem".
Depois do sucesso de O
Cangaceiro, a
Colúmbia americana que ficou com o filme 20
anos,
todo o dinheiro que o filme arrecadava não vinha para o Brasil. O
Brasil deu o filme para a Colúmbia. O Brasil tem mania de dar as
coisas. Eu percorri toda Europa cantando as músicas do, filme O
Cangaceiro. Fui
para a África do Norte (Argélia, Marrocos) e posteriormente Caribe.
Agorao Brasil quer entregar a Amazônia.
Assim
não dá.
I-
E agora como está sua vida profissional?
VO
-
O
pessoal de 35
anos
pra cima me conhece. Pra baixo não, porque não faço novelas, só
quero fazer seriado. Me recuso a fazer novelas. Só participação
especial., não consigo ficar nove meses presa à novela, eu admiro
quem faz, mas prefiro viajar. Agora vou para a China. Vou cantar lá.
I-
Qual a importância da música popular brasileira como fator
de
resistência à ditadura militar?
VO
-
Muito
importante. Os shows como Carcará, por exemplo, de João do Vale, Zé
Keti tiveram grande importância. Shows como Sérgio Ricardo fez. O
Chico Buarque cujas músicas tiveram um papel também em termos de
denúncias da ditadura. O Chico chegou a escrever músicas com
pseudônimo.
Nossa
música é uma das mais ricas do mundo e se parece muito com a música
cubana que é lindíssima. Sou contra uma coisa que considero muito
grave, que é o modismo importado. Não que eu seja contra a música
estrangeira. Adoro Beethoven, Bach e outros tipos de música. O que
eu sou contra é essa coisa de mídia fabricada, que congela o
pensamento do ser humano, fazendo uma espécie de lavagem cerebral.
VO
-
Participei
e estava lá no diado
golpe.
Trabalhei com Carlos Lira. Inclusive o CPC aparece no filme Os
Mendigos. O
Fábio Sabag também participou desse filme. Atuei
com
muita gente ligada ao CPC: Rui Guerra, Sérgio Ricardo, o grande
Oduvaldo Viana, o Vianinha, Eduardo Coutinho e muita gente boa que
não me lembro no momento.
I-
Como você vê o cinema de hoje?
VO
-
Nos
últimos três anos eu não vi nada. O Collor terminou com o cinema
brasileiro, deu um pontapé na bunda de todo mundo. Agora que o
cinema brasileiro está recomeçando.
I-
E aí, tem gente boa?
VO
-
Tem
gente muito talentosa. O Guarnicê é um dos festivais de cinema mais
importantes no mundo. Tem curtas metragens e vídeos extraordinários.
Vi garotos de 17
anos
com grande talento. Os festivais do Ceará, Brasília e Gramado
também são importantíssimos. O Brasil está cheio de gente com
muito talento.
I-
O que está faltando?
VO
-
Está
faltando organização e patrocínio. Agora vai melhorar com a nova
lei aprovada. O Estado do Espírito Santo ajuda muita gente. Minha
amiga Norma Bengel após três anos de luta
conseguiu
com o apoio do estado capixaba apoio para filmar O
Guarani. Meu
filho vai fazer um filme sobre Machado de Assis, que terá a
participação de atores
franceses
e ele pretende convidar o Miguel Falabela para fazer o segundo papel.
Aliás ele nem sabe disso. Meu filho só conseguiu patrocínio depois
de três anos.
I-
Você vai a Cuba. Você está engajada em algum movimento de
solidariedade para com o povo cubano?
VO
-
Estive
lá em 1992
com
Taiguara, Antonio Callado, Ziraldo, Frei Betto, Francisco Morais. Fui
levando remédios, cantei lá para os estudantes. Vou novamente agora
a Cuba. Vou fazer um checkup em Havana, porque a medicina cubana é
tão boa, apesar do boicote, que dispensa maiores comentários. Vou
também lançar meu CD por lá, porque tem música cantada em
espanhol. Depois de Cuba tenho convites para fazer shows na China e
na França.
I-
Você que sempre lutou contra as injustiças, como está vendo o
Brasil?
VO
-
É
preciso lutar sempre. Lamentavelmente as pessoas aqui no Brasil
continuam a ser enganadas pela mídia, deixam-se
se
levar pela aparência como foi o caso de Collor. Muita gente
inclusive, muitos amigos meus têm memória curta. Ainda acreditam no
Collor, querendo até que ele seja senador. De qualquer maneira,
temos que seguir lutando. Para mim, o Brasil será um país
verdadeiramente independente e livre de injustiças no dia que
aparecer um Che Guevara... Lá em casa tem um poster de Che Guevara e
até um gatinho de estimação cujo nome é Che. Já que eu não
posso ter o Che no poder, tenho no meu colo. (risos) ■
Vanja Orico faleceu aos 83 anos em 28 de Janeiro de
2015.
Entrevista
publicada no Jornal INVERTA nº53 Junho de 1995.
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